Por Ricardo Rodrigues, especial para o ATL
Há coisas que não devemos mexer. Mentira é uma delas. Mesmo as mais inocentes, são nocivas; estimulam as mais graves. No entanto, as pessoas não levam a sério essa questão, e mentem deslavadamente. Para os poetas, a mentira é uma isca, uma musa encantadora que seduz, ao se utilizar de subterfúgios e arrebatar corações incautos. Já os psicólogos avaliam a mentira como um misto de banalidade, desvio de caráter e baixa autoestima. Quem ama não mente. Só quem pensa que ama
Os médicos podem colocar a mentira num patamar neurológico. Os cientistas sociais dão a mentira um poder político avassalar, capar de mudar a cabeça das pessoas, se repetida várias vezes e insistentemente. Talvez por isso, para as religiões, a mentira é pecado. Não uma mentirinha boba, que a até o padre utiliza. Muitas vezes, para se livrar de pecados maiores. Serve também para evitar embaraços, aporrinhações , constrangimentos.
Por fim, a mentira política, usada como munição na mão de fascistas, racistas e neonazistas – esses, piores que os nazistas, pois mesmo sabendo da letalidade dessa ideologia a reivindicam, com fervor e fanatismo. A mentira em forma de “fake news” é eminentemente política. Pois é espalhada para solapar a consciência dos incautos. É tão nociva, quanto letal. Quando atenta contra a ciência, como acontece agora, é mortal.
Há fake news que matam, outras que mutilam e deixam sequelas. Revestidas de “notícias” verdadeiras, elas deformam a opinião pública e causam traumas terríveis a conscientização das pessoas. Utilizando-se da célebre frase sobre a propaganda nazista, de que uma mentira dita várias vezes torna-se “verdade”, os políticos chegam ao poder na base das “fake news”. Foi o que aconteceu com Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil.
As consequências deixadas pelas “notícias falsas” são devastadoras. Promovem a alienação, interferem na superestrutura da sociedade, ou seja, mexem negativamente com o nosso consciente coletivo, com a nossa coerção social. A mentira política, em forma de “face news” viola todos os princípios da humanidade, pois envenena o pão nosso de cada dia, quando manipulam informações e maculam a nossa mente.
Como então desmentir tantas mentiras? Por que elas recrudesceram, nos últimos anos? O que foi que houve, afinal? A explicação é simples. Se o pão precisa do padeiro profissional, a notícia precisa de um bom jornalista para ser publicada no jornal, apresentada na tevê, narrada no rádio ou compartilhada nas mídias sociais. O preparo do pão requer receita e dedicação; da notícia, idem. Caso contrário, o produto pode deixar muito a desejar.
A imprensa sempre teve um papel importante nas sociedades civilizadas, exatamente por isso, por tratar a notícia – sua matéria prima – de forma profissional, de preferência com lisura e isenção. Se trata os fatos de forma preconceituosa e manipuladora, coloca em cheque a sua credibilidade, e com isso sua própria existência. O jornal de que mente não serve nem para embrulhar peixe, em feira livre.
A rigor, a mentira para a imprensa é produto perecível, se usada ou está fora da validade ou foi embrulhada para enganar o consumidor. Por isso, a notícia mentirosa geralmente dura pouco ou é desmascarada pelo próprio pública. O jornalista que trabalha com mentiras, escrevendo notícias falsas, coloca em risco sua carreira. Mais cedo ou mais tarde, será confrontado, desmoralizado e defenestrado da categoria.
A mídia só alcançou o patamar de quarto poder porque vem tratando a notícia com seriedade, na medida em que se afasta dessa postura, abre espaço para os espertalhões, os mercenários de ilusões. É o que vem acontecendo, ultimamente. Mentir, mentir, mentir. Para enganar o público. É o lema de empresas de comunicação que surgem, com finalidade escusa, para espalhar notícias falsas e deturpar informações.
Observem que o fenômeno das “fake news” é algo relativamente recente. Embora já existisse desde os primórdios da imprensa, a mentira passou a ser usada como matéria prima depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) rasgou o diploma dos jornalistas, acabando de vez com a exigência da formação universitária para trabalhar em comunicação social. Ou seja, deixou o mercado desguarnecido, à disposição dos aventureiros.
Isso mostra que a nossa Corte Suprema tem pisado na bola ultimamente, tanto é que até a direita carcomida pela caduquice ideológica a desafia, com atos desabonadores. De tão combalida e degringolada, a Justiça aceita o 'salve-se quem puder', pois quando maior fora a confusão, maior será a exploração, o enriquecimento ilício e a acumulação vergonhosa. Ao acabar com a exigência do diploma, o STF cavou a própria cova.
Hoje, o que se vê, em se tratando de comunicação social, é uma verdadeira panaceia ou briga de cachorro doido, que envolve empresas montadas só para mentir, só para espalhar “fake news”.
Essa prática nefasta está solapando a nossa incipiente democracia, aproveitando-se de mais de 20 anos de Ditadura Militar no Brasil. Os mercenários da informação trabalham nesse sentido, esfaqueando a verdade, para promover a mentira.
Não por acaso, o cidadão brasileiro vem sendo bombardeado por propagandas enganosas, notícias falsas e informações destorcidas. Embaladas com preconceitos, racismos, homofobias e xenofobias, essas notícias narram fatos inverídicos como se fossem verdades absolutas. Vendem produtos que não funcionam e que levam à morte, como se fossem medicamentos milagrosos. Na verdade, veneno como se fosse elixir.
Mentiras maldosas fazem mal ao corpo e à alma; solapam a confiança entre as pessoas; danificam relacionamentos duradouros; elegem ditadores e déspotas; provocam guerras, cizânias e destruição; entorpecem, alienam, mutilam, torturam e matam. Dão um prejuízo colossal à humanidade, em tempos de pandemia, quando se espalham como poções medicamentosas, quando não passam de ervas daninhas.
Mentira não tem pernas curtas, não é, jamais, exclusividade de portadores de nanismo; muito pelo contrário, tem pernas longas e se espalham com rapidez, numa fração de segundos. Mentira também não é cabeluda, como se apregoam. Geralmente, é lisa como bagre, um peixe difícil de pegar, por ter couro no lugar de escamas. Mentira não dorme no ponto, desperta a atenção e se revela à boca miúda, tratada como fofoca.
Para encerrar, gostaria de repudiar quem produz notícias falsas ou as compartilha. São quadrilhas especializadas nessa prática deletéria, produzindo fatos mentirosos e transformando o país num verdadeiro reino do faz de contas. Pior que o vírus da Covid-19, que mata mas tem cura, é o vírus da fake news; se não mata, aleija. Abaixo a epidemia de mentiras. Ou debelamos essa praga, ou ela acaba com o Brasil.
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