Por Luis Felipe Miguel:
Sérgio Moro atravessou as primeiras revelações da Vaza Jato aparentemente sem se abalar. Permanecia ministro de Bolsonaro e a unidade da extrema-direita, que ainda vigorava pelo menos diante do público, permitia criar uma barreira de cinismo e desinformação que o protegia.
Mas a briga campeava internamente, pelo controle do aparelho repressivo do Estado. Moro viu sua posição de “superministro” se evaporar. Passou por diversas humilhações e teve que deixar o governo com o rabo entre as pernas.
Tentou disputar a base do bolsonarismo, mas não foi capaz. A pá de cal foi a reação – tardia – do Supremo a seus abusos na Lava Jato. Com sentença após sentença sendo anulada por vícios incontornáveis, refugiou-se nos Estados Unidos. A miragem presidencial parecia abandonada.
Falei “pá de cal”? Errei. Num país de costumes políticos tão rebaixados, “pá de cal” é uma metáfora que está fadada a ser desmentida. Aécio, Collor, Maluf e tantos outros estão aí para provar.
Eis que Moro ressurge, triunfal. Não por seus méritos, mas pelo desânimo com as outras opções da chamada “terceira via”.
As pesquisas dão a ele por volta de 3% das intenções de voto nas pesquisas espontâneas, 8 ou 9% nas estimuladas – um terço do que tem o segundo colocado. A rejeição bate nos 60%. É um sujeito antipático, sem brilho, de péssima oratória mesmo com o esforço dos fonoaudiólogos, mal articulado, inculto, de raciocínio lerdo e inteligência pouco vivaz.
Ainda assim, para quase toda a mídia e alguns operadores políticos, Moro é o novo Messias.
De fato, as semelhanças com o Messias original não são poucas. Eles têm em comum o desprezo pela democracia, a crença de que são superiores à lei, a ausência de senso moral.
Mais ainda: não têm estofo, não têm projeto. Sua visão para o país limita-se ao reforço da violência.
Por isso, muitos veem em Moro, assim como viam em Bolsonaro, o fantoche perfeito para ocupar a presidência.
Este é o sentido da candidatura do ex-juiz: mostra que a classe dominante brasileira está hoje no mesmo lugar em que estava em 2016 e em 2018.
A catástrofe chamada Bolsonaro não a comoveu. Nem as 620 mil mortes da pandemia, nem os famintos disputando ossos e comendo lagartos, nem o desmonte da saúde pública, da assistência social, da educação e da ciência, nem o desastre ambiental potencialmente irreversível, nem as ameaças às liberdades, nem o declínio da laicidade, nem a perda de soberania, nem o aparelhamento do Estado por famílias e milícias, nem nada.
A democracia e os direitos são o que sempre foram: estorvos a serem contornados.
Ao apostar suas fichas em Moro, a classe dominante mostra que continua alinhada aos objetivos que a fizeram deflagrar o golpe em 2016 e a apoiar Bolsonaro em 2018: limitar a democracia, desmontar o Estado, interditar a presença do campo popular na política.
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