Por Emir Sader
A reaparição pública com Lula teve efeitos inimagináveis até a pouco tempo. Seu discurso, mesmo produzido desde a oposição, teve o condão de começar a mudar o Brasil.
Antes de tudo, porque marca a reaparição de um discurso articulado sobre os grandes temas do Brasil – transmitido de forma integral até pela Globonews. Não há apenas um discurso, o negacionista, do Bolsonaro. A ele se contrapõe, ponto a ponto, um discurso de resgate da democracia, de retomada do crescimento econômico e de distribuição de renda, de ataque frontal à pandemia, de vacinação já e para todos, de soberania nacional.
Um discurso que articula a denúncia do lawfare com todas as injustiças e atentados à democracia que representou para o Lula e para o país, com análises e propostas que apontam que um outro Brasil é possível. Um chamamento ao diálogo político, ao resgate da política como debate, como processo de disputa democrática de projetos alternativos.
Mas, sobretudo, porque representa o retorno da figura de mais transcendência na política brasileira das últimas décadas. Lula volta, firme e forte, com os direitos políticos recuperados, personificando a oposição ao governo, com ataques certeiros, que vão do desastre econômico e social à catástrofe da pandemia e da vacinação. E, mesmo sem dizê-lo, forte candidato a derrotar Bolsonaro e voltar a ser presidente do Brasil.
Quem mais acusou o golpe foi exatamente Bolsonaro, que se preparava para enfrentar a uma oposição dividida e sem candidatos de projeção política para derrotá-lo. Porque com Lula ocupando o lugar central na oposição a seu governo, ele deixa de poder governar como fazia até aqui, com toda arbitrariedade, como se mandasse no país como se manda numa milícia.
O primeiro a cair sob o efeito dos ataques do Lula foi o ministro da Saúde, Pazuello, militar que havia ocupado o ministério, com várias centenas de militares, deslocando o competente pessoal de saúde publica. Mas a mudança fundamental que o Lula introduz são os ares de democracia, de disputa entre um governo desgastado e sem legitimidade, e uma oposição com apoio popular.
Ele havia resistido ao descontrole das mortes da pandemia, que supera as duas mil diárias, enquanto a vacinação não chega nem a 5% da população brasileira. Mas não resistiu ao que se passou a chamar de fator Lula, onipresente na política brasileira a partir de agora.
Lula não apenas derruba o ministro, como condiciona diretamente a nomeação da nova ministra, que vai na direção apontada por Lula: intensificação da medidas de proteção – com isolamento social, uso de álcool gel, de mascaras, assim como vacinação já e para todos.
Outros setores políticos também imediatamente reagiram ao Lula: o principal partido do Centrão, o PL, se abriu a relações com o Lula. Delfin Neto já avisou que votará no Lula. Partidos de esquerda revisam suas posições e se abrem para apoiar a candidatura do Lula. Todo o cenário político se desloca, sob o efeito da presença e do pronunciamento do Lula.
Ele mesmo não se dispõe a discutir sobre as eleições de 2022, não confirma – nem desmente - sua candidatura, se recusa a estabelecer contatos sobre as eleições. Mas ninguém mais duvida de que, confirmada a recuperação dos seus direitos jurídicos, nem será necessário um lançamento formal da sua candidatura. Por agora, o centro da luta é a obtenção do auxilio emergencial e a vacinação para todos e o mais rápido possível. Mas o horizonte político é outro, aponta para o pós-Bolsonaro, em que Lula ocupa o lugar central. Que começa a mudar o Brasil, antes ainda de voltar a ser presidente.
Porque com Lula é o resgate da política, é o fim da judicialização à política, é a democratização dos debates, é a disputa entre duas alternativas radicalmente opostas para o Brasil. O país começa a sair do lawfare e começa a retornar à democracia.
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