Por Pedro Marin, na revista Opera:
A inda é cedo para afirmar, e mais cedo ainda em um governo que se sustenta em trambiques e espetáculos, mas a saída do governo nesta segunda-feira (29) do ministro-general da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, cheirou para muitos analistas a desembarque.
Em encontro à tese vêm duas “matérias” (melhor dito: press releases) publicadas neste final de semana. A primeira delas, publicada n’O Globo, anuncia que “um grupo de militares que ajudou a eleger o presidente Jair Bolsonaro em 2018 tem defendido a construção de uma alternativa política para a disputa do Palácio do Planalto no próximo ano”. Sete generais e um coronel são citados na reportagem. Obviamente, dentre eles está Santos Cruz, que já há muito tornou-se um dito “opositor” de Bolsonaro (ainda que dificilmente possa ser considerado um democrata). Mas há também Maynard Santa Rosa, ex-Secretário de Assuntos Estratégicos, Francisco Mamede de Brito Filho, ex-chefe do gabinete do Inep, e o afamado Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal em 2018 e agora publica mensagens em que diz que “é preciso encontrar uma terceira via”.
O segundo é um comunicado de banqueiros e empresários que se reuniram com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, no final de semana. O jantar foi servido em São Paulo, e o tom da mensagem nos bastidores foi muito mais duro do que aquele utilizado na “carta dos ricos“, em que pediam que o presidente vacinasse a população e distribuísse máscaras: dessa vez, pediam a cabeça do chanceler Ernesto Araújo, demitido hoje, e de Ricardo Salles, até o momento ministro do Meio Ambiente.
Não seria de se espantar que esse tipo de tour pelas mansões paulistanas não fosse feito só por membros do Legislativo, mas também por fardados. E, havendo uma sucessão de desembarques fardados – claro, o único que não pode desembarcar é o general-vice-presidente Mourão –, a mensagem estaria dada: “pode empurrar, que aqui atrás ninguém segura”.
Não sairia nada mal para os fardados, que não só teriam, enfim, um general na presidência, como também sairiam da crise vistos como responsáveis e democratas. No caso de um esperneio por parte de Bolsonaro, poderiam até se mobilizar para garantir a constitucionalidade e as instituições; golpista seria o capitão, não eles.
Uma segunda hipótese para a saída de Azevedo seria a já costumeira dança das cadeiras que os militares parecem fazer no governo sempre que cai um ministro. Foi assim com a Secretaria de Governo (saiu Santos Cruz, entrou Luiz Eduardo Ramos); com a Secretaria-Geral da Presidência da República (saiu Floriano Peixoto para entrar Jorge Oliveira) e a Casa Civil (Walter Souza Braga Netto substituindo Onyx Lorenzoni, hoje titular da Secretaria-Geral). Seria espetacular, é certo, se quando a música parasse um milico ficasse com a chancelaria.
Por fim, uma última hipótese: Fernando Azevedo foi assessor do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli (seria este o general que, segundo Toffoli, ligou para ministros do STF para medir o terreno para um golpe?). É sabido que, apesar de alguma desconfiança por parte do Legislativo sobre os militares, a relação do STF com os fardados é baseada em maior confiança e unidade. Também não seria novo que o presidente, perdendo um dos “seus” (como era Araújo), tente impor uma derrota aos outros – nesse caso, aos militares e ao STF. Novo não seria; mas, de novo, inútil: melhor estariam os militares com o STF, e vice-versa, e o presidente simplesmente estaria reconhecendo o fato ao aproximá-los mais.
Como não custa reiterar, em qualquer um dos casos a perspectiva de uma derrota para o Partido Fardado não está, nem de perto, à vista. Se o movimento de Bolsonaro constitui um desagrado aos militares, precisamente quando o presidente está em seu pior momento e perdendo até os acenos do Centrão, pressionado por banqueiros, não é muito difícil calcular os resultados. A suprema maquiaveliana sobre príncipes e ministros foi bem resumida por Fichte: “Fiel faz um príncipe o ministro, e o obriga intimamente a si, quando, segundo as palavras de Maquiavel, faz dele participante de encargos decisivos, isto é, quando não lhe permite tais reservas e subterfúgios, mas obriga-o a medidas e declarações sem rodeios, de tal modo que ele, se o inimigo vencesse, não teria a esperar dele nenhuma indulgência. O melhor ministro, em uma guerra encarada seriamente, é sempre aquele que com a vitória do inimigo perde tudo.” E quando os ministros derrotados são os mais fiéis ao príncipe, ao passo que os outros este não pode obrigar, e eles tudo têm a ganhar com sua ruína?
Cada vez fica mais distante aquela interpretação de que os fardados e o capitão constituem uma unidade sem contradições. “Os contrários podem ser e são habitualmente (e tornam-se) idênticos ao converterem-se um no outro”, anotou Lênin. “Não é tão morto, rígido, mas vivo, convencional, móvel, transformando-se um no outro.”
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