É evidente a qualquer um minimamente lúcido que o fato de Jair Bolsonaro ter pedido a Sergio Moro é um inaceitável atropelo a uma investigação judicial.
Um presidente (ou um governador) não pode mandar a polícia de Estado chamar alguém para depor outra vez se, ao falar antes, esta pessoa o mencionou em seu depoimento, como o ex-“mito” quer que se faça com o porteiro do condomínio que ele partilha com o possível assassino da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.
Mais ainda que isso configura um quadro de flagrante coação a testemunha, para o que basta imaginar a pressão psicológica a que esta pessoa passou a estar submetida, depois da live presidencial de ontem.
(Aliás, a própria live, em si, contém uma ameaça que está longe de estar no campo político e se fixa no próprio campo do exercício do poder do cargo. Bolsonaro jamais questionou politicamente o grupo Globo – quem ia para a “ponta da praia” éramos nós, a esquerda, lembram-se?)
Do ponto de vista político, Bolsonaro deu um nó político em Sérgio Moro: ou submete-se à ordem ilegal do capitão e confronta a Globo ou, ao contrário, mantém-se fiel a quem o cevou e perde a tropa bolsonarista.
Há muito nisso que mostra que a indignação presidencial é muito bem calculada.
Ele próprio disse, esta madrugada, que sabia da acusação desde o dia 9 de outubro:
“No dia 9 de outubro, às 21 horas, eu estava no Clube Naval do Rio de Janeiro quando o governador Witzel chegou para mim e disse: o processo está no Supremo”, contou Bolsonaro. “Que processo? O que eu tenho a ver? E o Witzel disse que o porteiro citou meu nome. Ele sabia do processo que estava em segredo de Justiça”, disse o presidente.
Então o problema não é uma possível armação, mas o vazamento da menção feita pelo porteiro?
Perdão, mas falar para Moro apurar vazamento de processo sigiloso é como falar de corda em casa de enforcado.
O que, aliás, é uma boa metáfora para os personagens desta tragicomédia política brasileira.
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